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26 de Abril de 2024

STF absolve homem denunciado por furtar duas sacolas de lixo

_Princípio da insignificância e a inércia do Estado Juíz em aplicar o DIREITO

há 3 anos

Você pode até achar uma infantilidade, porém, existem perguntas que por mais que pareçam inocentes, carecem de uma resposta no plano lógico e fático.

Porque esse caso precisou chegar ao Supremo Tribunal Federal?

Não custa lembrar, em apertada síntese, as função do Poder Judiciário, que é formado por juízes e Tribunais.

Longe de mim exaurir extenso tema, então, saliento que a Jurisdição advinda da CRFB/88, concede aos juízes e aos tribunais, a função de garantir os direitos individuais, coletivos e sociais e resolver conflitos entre cidadãos, entidades e Estado, cada juiz, desembargador ou ministro são investidos de Jurisdição e todos tem o Poder- Dever de agir.

Lembrado que é defeso ao juiz se olvidar na aplicação da Lei .

Eis a máxima: a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário LESÃO AMEAÇA ao direito. Princípio normativo, cláusula pétrea, função ontológica do Judiciário, esta que me parece ser ignorada quando se trata de alguns julgados.

Como ja dizia o sociólogo alemão Ferdinand Lassalle: se a constituição não for vivida e praticada nos moldes das realidades fáticas de seu povo, ela não passa de uma mera folha de papel.

O Judiciário tem autonomia administrativa e financeira garantidas pela Constituição Federal, para impor o devido cumprimento da Constituição, aplicar o direito ao caso concreto aqueles que o invocam.

Reitero, é dever do juíz aplicar a Lei aos que clamam por justiça, Ministério Público, querelante ou defesa. Devem observar a Constituição Federal e não se omitir. Todavia, me parece que tais casos, são mais que uma mera cautela cognitiva, e sim uma omissão ou descaso na função pública.

Não estou sendo severo ou injusto, de forma alguma, injusto é um inocente permanecer preso por omissão e desleixo na aplicação da Lei. Nem quando se trata de questão de ordem pública, alguns de atentam para as particulares do caso concreto . Quantos estão a mercê do pesado fardo do carcere por julgados desse tipo?

Quantas medidas cautelares diversas da prisão temos no art. 319 do CPP ? Infelizmente, para muitos , a regra é prender, depois analisemos se há possibilidade de cautelar diversa do cárcere.

Nas lições do professor Zaffaroni:

"Certamente que o judiciário presta o serviço de resolver conflito entre pessoas, mas também presta outro serviço, que consiste em controlar que, nessas realizações normativas entre Estado e pessoas, o primeiro respeite as regras constitucionais, particularmente quanto aos limites impostos pelo respeito à dignidade da pessoa humana". (ZAFFARONI, 1999, p.107)

Muito me estranha a deficiente falta de maturidade de alguns julgados, principalmente quando se relacionam a pessoas com uma relevante hipossuficiência financeira. Depreende que é necessário ter empatia pela Constituição, não se olvidar em aplicar a mesma aos necessitados e desamparados.

Devem estar procurando o julgado que é causa desse pequeno texto, perdoem este que vos escreve, é que antes de ir ao julgado, quis expor minha indignação na falta de agir, de enxergar o fato, de ter coragem na aplicação da Constituição ao caso concreto e dizer o direito, afinal, como supra citado, essa é a função do Judiciário.

Vamos ao caso: A ilustre Defensoria do Estado de São Paulo , observou a prisão em flagrante ser convertida em preventiva. Eis a fundamentação do Magistrado plantonista:

“O autuado é usuário de drogas e não tem ocupação e nem residência fixa, sendo pessoa em situação de rua (fls. 18). Registra um rol de apontamentos criminais (fls. 64/77 e 26/45), especialmente por crimes contra o patrimônio e possivelmente esteja em gozo de algum benefício. ” .

Sendo que a reincidência por si só, jurisprudência do STF, não é motivo de afastar a atipicidade da conduta, ou ser usuário de drogas e muito menos ser morador de rua.

Não vou entrar na seara dos requisitos da fundamentação jurídica advinda do intitulado pacote anti-crime, Lei 13.964 \ 19 que alterou de forma significativa o Código de Processo Penal, deixemos para uma futura análise.

Sendo assim, foi impetrado habeas corpus para o TJ/SP e ao STJ, ambos foram indeferidos , até chegar nas mãos da Ministra Carmem Lúcia.

Observem a decisão do TJ/SP:

Indefiro a liminar.

A medida liminar em Habeas Corpus somente é cabível quando o constrangimento ilegal for manifesto, detectado de imediato através do exame sumário da inicial e dos documentos que a instruem, o que não ocorre no presente caso. É impossível se admitir pela via provisória da decisão liminar a pronta solução da questão de fundo, sendo certo que essa medida não se presta a antecipar a tutela jurisdicional. Processe-se e oficie-se solicitando a senha de acesso aos autos principais (se houver), bem como informações detalhadas, que deverão ser complementadas oportunamente, em havendo ocorrência importante na tramitação processual” Habeas Corpus n. 2072203-91.2021.8.26.0000 TJ/SP.

Não posso esquecer de mencionar que o objeto do crime foi devolvido, e no depoimento do acusado, foi relatado que subtraiu a res furtiva para comprar comida.

Breve síntese do caso:

A ministra Carmen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a absolvição de um homem denunciado pela tentativa de furto de dois sacos de lixo contendo material reciclável avaliado em R$ 30, no interior de São Paulo. A ordem foi concedida, de ofício, no HC 200764, impetrado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo.

No STF, eis a contemplemos a decisão da Ministra:

Na decisão, Cármen Lúcia afirmou que o STF não pode fechar suas portas para casos de ilegalidade manifesta que possam comprometer os direitos FUNDAMENTAIS das pessoas. Segundo ela, a conduta, embora se amolde à tipicidade formal, não tem relevância penal. A relatora observou, ainda, a partir da leitura do termo de interrogatório que consta do auto de prisão em flagrante, que o envolvido vivia em situação de vulnerabilidade econômica e social e que não houve emprego de violência.

HABEAS CORPUS 200.764 SP.

Fonte: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=464856

Sobre o princípio da bagatela ou insignificância, não irei me estender, isso não é uma aula de direito penal, e além do mais, seu entendimento é pacífico.

Nesse diapasão, deixo aqui algumas considerações.

A tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos protegidos, pois nem sempre QUALQUER OFENSA a esses bens ou interesses é suficiente para configurar o injusto típico"Bittencourt, Cesar, Tratado do Direito Penal, 2020.

Insta salientar, que não estamos abordando a culpabilidade normativa, a teoria da indiciariedade ou da ratio cognoscendi, não estamos falando da ilicitude do fato. Isto posto, se o fato não chega a lesionar o direito tutelado, observando os princípios da intervenção mínima e fragmentariedade, o fato é atípico e por conseguinte, não há crime. Nessa esfera nem precisamos sequer analisar a ilicitude, a questão se encerra no primeiro tripé analítico do crime.

Não peço empatia pelo paciente, já que a imparcialidade é característica ontológica do juiz, ele deve enxergar o desamparo e a ilegalidade no caso concreto, eles (juízes e tribunais) devem ser imparciais, mas jamais serão neutros. Usarei uma frase corriqueira do querido professor Aury Lopes Jr:" pela lisura do processo e sua raiz acusatória, o juíz deve ser imparcial, mas, por ser humano, seria impossível ser neutro, não existe juiz neutro.

Não obstante, não basta aos operadores do direito (juizes, promotores e advogados) , realizar uma associação mecânica, repise-se, é preciso verificar, antes de tudo, se tal conduta realmente fere bens tutelados juridicamente, e isso se faz a luz dos principios basilares do Direito Penal. Dentre eles : adequação social, ofensividade, intervenção mínima etc.

.

Minha humilde indagação é: até quando os operadores do direito irão ignorar conceitos básicos e incontestáveis do ordenamento jurídico, da jurisprudência e da doutrina? Quantos casos como esse irão precisar chegar ao Supremo Tribula Federal para se constatar o óbvio?

Em outrora a Ministra Carmem atuou nesse sentido, e nesse wirt, mesmo indeferido sua admissibilidade, mas, observando que tal Instituto é conceito de ordem pública, analisou o caso em comento e absolveu o que deveria ter sido feito nos julgados a quo.

Lembro aqui uma decisão parecida da Ministra.

1. A tipicidade penal não pode ser percebida como o exercício de mera adequação do fato concreto à norma abstrata. Além da correspondência formal, a configuração da tipicidade demanda análise materialmente valorativa das circunstâncias do caso concreto, para verificar a ocorrência de alguma lesão grave, contundente e penalmente relevante do bem jurídico tutelado. 2. Constatada a irrelevância penal do ato tido por delituoso, principalmente em decorrência da inexpressividade da lesão patrimonial e da não consumação do delito, é de se reconhecer a atipicidade da conduta praticada ante a aplicação do princípio da insignificância. 3. Ordem concedida” (HC 119128-MG, 2.ª T., rel. Cármem Lúcia, 26.11.2013, v.u.).

Voltando para alguns julgados que infelizmente carecem de análise jurídica, muitas das vezes, usam os precedentes (por vezes de forma errônea, advindos do processo civil e inadmissíveis no processo penal,) para não admitir certos Recursos, teses defensivas e liberdades.

Todavia, quando se trata da liberdade do indivíduo, por vezes pobre e morador de rua, os precedentes benéficos são esquecidos.

É claro que existem chicanas e muitos recursos que são meramente protelatórios, minhas palavras não são para estes. Também não faço referência a todos os juízes e tribunais, claro que não!

O que almejo como cidadão, é que a justiça seja aplicada de uma forma justa e coerente, com a sua devida celeridade. E que quando for manifestado o direito de Ação, que sejam respondidos a altura do mínimo Constitucional, e assim alcancem a todos, sem qualquer distinção.


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